O evangelizador itinerante ou adormecido
Jesus iniciou sua missão indo de lugar em
lugar, às casas, às cidades, aos povoados, às sinagogas, ao Templo, à beira
mar, à beira do poço... utilizava os meios possíveis de sua época para anunciar
a Boa Nova. Seu anúncio era acompanhado da acolhida, da atenção, do carinho, da
misericórdia e da exigência.
Na contemporaneidade somos desafiados
profundamente a rever os métodos e a prática de nossa ação
pastoral-evangelizadora a fim de nos aproximarmos dos nossos irmãos e anunciar-lhes
o evangelho.
A Igreja em seus documentos oficiais, o papa
Francisco em seus homilias e exortações, ressaltam a importância de transpormos
os limites eclesiais e irmos às ruas, onde se encontram o povo. Apontam para um
novo jeito de evangelizar.
No limiar do terceiro milênio, cantávamos
constantemente: "Vai, missionário, vai evangelizar de um jeito novo, novo jeito de amar e fazer ressoar a Palavra de Deus
na vida do povo". Parece que aquele entusiasmo missionário diante da
entrada no Novo Milênio, tem-se distanciado, já nem lembramos mais de cantar esta
canção provocante. Até o Documento de Aparecida, parece que começa a entrar no
esquecimento e sendo mais um na coleção de documentos da Igreja. O que será do
próximo documento Comunidade de comunidades: uma nova paróquia? Que impacto
trará e que mudanças provocará em nós, na nossa ação pastoral, por quanto tempo
lembraremos dele?
Evangelizar de um jeito novo não é nenhuma
novidade. É retorno à fonte, Jesus, é buscar inspiração Nele, em seu jeito
simples e alegre de comunicar o amor, a fé e a esperança. Jesus é o grande
missionário. O Pai enviou-o ao mundo para realizar o seu projeto de amor e
anunciar a Boa Nova. A missão da qual faço parte, é continuidade da missão de
Jesus. Por isso evangelizar é compreender as atitudes e postura de Jesus que
foram recolhidas e transmitidas pelas primeiras comunidades cristãs. Elas foram
registradas nos escritos do Novo Testamento, sobretudo nos evangelhos.
Os cristãos da primeira geração reconheceram
em Jesus um Mestre acessível a todos, acolhedor, misericordioso, que sabia
escutar, sem preconceitos, livre diante da Lei e do Templo - mas que sabia a
Lei com autoridade e a colocava em prática e a anunciava em sua originalidade.
Sua oração sincera e verdadeira não estava presa à estrutura religiosa, mas livre
na comunicação com o Pai. Ia ao encontro das pessoas fora do templo, onde elas
estavam: no mar, nas bancas coletando impostos, nas casas de seus amigos,
pecadores e até de inimigos, nas estradas.
Para auxiliá-lo, formou os discípulos e os
enviou em missão. O evangelizador de hoje é (ou deve ser) um discípulo de
Jesus. Portanto nossa referência para a evangelização é a pessoa e a missão de
Jesus. Enquanto Igreja somos continuadores de sua missão.
O missionário contemporâneo é uma pessoa:
a)
de
oração, que cultiva a profunda relação de amizade com Deus em comunidade e
pessoalmente; é uma pessoa que possui uma espiritualidade profunda.
b)
que
vai ao encontro daqueles que se encontram no caminho. Literalmente, hoje já não
andamos mais, não fazemos companhia na caminhada. Cada um utiliza seu próprio
meio de transporte, perdemos a dimensão de nos encontrarmos quando nos
locomovemos. Talvez seja momento para abandonarmos um pouco nossos veículos e
perdemos tempo pelo caminho saudando, conversando com os mais pobres, os caídos
e excluídos... nossas modalidades de transporte, muitas vezes, impedem a nossa
aproximação com os menos favorecidos. Por isso considero o andar a pé e o uso
do transporte coletivo profudamente aproximadores das pessoas.
c)
que
vai à casa do outro, que cultiva relações humanas profundas. Ir à casa do outro
se torna uma prática cada vez mais rara. Às vezes não temos tempo nem para encontrar
nossos amigos e familiares... as redes sociais nos acomodam em casa e perdemos
o contato pessoal, a afetividade. As pessoas que fazem parte dos grupos que
possuem a prática da visita - Legião de Maria, Conferências Vicentinas, Pastoral
da Criança, Pastoral da Pessoa Idosa, Pastoral da Criança entre tantos outros -
sabem que a visita à uma pessoa ou à uma família enriquece quem a recebe e quem
a oferece. Estes evangelizadores, cada vez mais, têm consciência de que as
pessoas estão ficando, paulatinamente, necessitadas de calor humano e de
proximidade afetiva.
No final do 2º Milênio emergiu no mundo a
Ação Católica que propunha ao cristão ser anunciador do evangelho e sinal de
transformação em seu ambiente de trabalho, estudo e convivência. Hoje isto é muito mais imperativo. Ser
missionário é irradiar o amor de Deus, testemunhar a fé nos vários areópagos: no
ambiente de trabalho, da educação, da saúde, das associações sociais. Devemos
ir além da evangelização para os que se encontram dentro das quatro paredes de
nossas igrejas, mas ir ao encontro dos que estão fora. Eis o grande desafio.
Precisamos intensificar urgentemente o anúncio do evangelho fora das estruturas
físicas da Igreja.
Para
atender as necessidades missionárias de hoje, nós cristãos, discípulos
missionários, como afirma a Conferência de Aparecida, devemos fazer de nossos
ambientes de trabalho, de convivência, de estudo, de luta social, um espaço
para a vivência da fé e do anúncio do evangelho, e nós religiosos, religiosas e
padres precisamos encontrar formas de nos inserirmos nestes ambientes, sair de
nossas "sacristias". Pode ser que estejamos adormecidos, achando que a nossa
ação para os que estão dentro já está ótima. Devemos lutar para que todos
alcancem a vida em abundância oferecida por Jesus; assumir o compromisso de ir
ao encontro dos nossos irmãos esquecidos em suas casas e nas ruas. Ser
missionário hoje é romper com todos os nossos preconceitos e ideais moralistas,
é romper com a idéia de que o objetivo principal da missão é arrebanhar fiéis
para a Igreja, ou simplesmente para administrar os sacramentos a fim de que a
pessoa saia de sua situação de pecado e alcance a salvação.
Que nosso encontro com as pessoas as promova
e as ajude a encontrar o sentido da vida. Se o nosso testemunho de fé for
profundamente coerente e convincente, muitos se despertarão para a inserção na
Igreja ou para o retorno a ela.
Ser missionário é ser totalmente livre para
amar a Deus e a todas as pessoas, para comunicar o amor de Deus, pelo qual nos
sentimos envolvido todos os dias. É anunciar a boa nova inspirando-nos no jeito
de Jesus sendo um evangelizador itinerante e aberto à realidade,
despertando-nos da nossa acomodação, da nossa pastoral de conservação. Ter
olhos abertos para conhecer a realidade, coração despojado para amar, inteligência
para compreender as situações e muita fé para perceber o sentido da entrega
incondicional pelo Reino. Este é um método essencial para evangelizarmos no
presente e no futuro.
Ir. Ediana de Souza Soares