Espiritualidade Cristã e a busca de sentido existencial em tempos de pandemia
"No fundo
do nosso ser há um desejo tão insaciável que não pode
referir-se
a outra coisa senão a Deus" (Viktor Frankl).
Vivemos numa época onde cada vez mais as pessoas se perguntam pelo
sentido da vida. Segundo Victor Frankl[1],
a vontade de sentido é motivação primária do ser humano. O problema é quando
essa vontade se frustra e o ser humano acaba se entregando ao desanimo e cai no
vazio existencial. Uma das grandes características da pós-modernidade tem sido
a perda dessa vontade de sentido, trazendo consequências drásticas para o ser
humano, desde as neuroses aos vários distúrbios emocionais e psicológicos,
causados pelo vazio existencial. Diante da problemática atual de uma pandemia,
acontecem mudanças significativas e profundas
para a vida humana em todos os seus aspectos e a nível mundial. O medo, o
isolamento, a ansiedade e a própria doença tem amedrontado a muitos. Não se
trata de um problema que afeta apenas alguns indivíduos, mas, sim, de um traço
característico de nosso tempo, adquirindo proporções inimagináveis com
repercussões no comportamento cultural. Onde encontrar o verdadeiro sentido,
aquele que plenifica o ser humano? Qual a possibilidade de encontrar, mesmo em
meio ao sofrimento e angústias humanas uma razão existencial? Diante de tantos
desafios que ameaçam a vida, o ser humano é chamado a dar uma resposta à
existência através da resiliência, da coragem e sobretudo da fé.
Maria Clara Bingemer afirma que "apesar dos avanços científicos, as
novas descobertas não ajudaram o ser humano a entender a causa, o motivo de sua
existência. A ciência não conseguiu apagar o desejo de Deus do coração humano".[2] A
Espiritualidade cristã possibilita
perceber a ação de Deus, que trabalha e cuida da transformação do ser humano,
tornando sua vida plena de sentido, a partir da realidade onde se encontra, não,
porém, sem a sua colaboração. A Espiritualidade deve conduzir o ser humano ao
comprometimento responsável, assumindo de forma concreta a singular existência
com tudo o que lhe é proporcionado. A
espiritualidade toca em profundidade a vida e a experiência humana. Cristo é o sentido revelado e encarnado na
história. Na espiritualidade cristã,
a experiência de Deus se dá plenamente pela escuta da Palavra, daqueles que
testemunharam o mistério da presença de Deus encarnado em Jesus de Nazaré. Quem
vê Jesus, vê o Pai, proclama a comunidade dos cristãos. Ele é luz do mundo
porque revela o Mistério Santo diante do qual estamos. A afirmação mais rica,
talvez, que designa Cristo como sentido da vida é, sem dúvida, essa: "Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6). Assim, pode-se compreender, perpassando
as Escrituras, nas suas atitudes diante daqueles que o encontraram, a revelação
de um Deus que é capaz de devolver a Vida em plenitude.
A
espiritualidade Cristã deve ser um modo de pautar a vida pelo caminho da Boa
Nova, no seguimento de Jesus Cristo, evento que foi capaz de virar uma página
decisiva da história, e até hoje continua plasmando vidas, curando, conferindo
sentido a tantas pessoas que estão abertas ao mistério. Cuidar uns dos outros tem sido
uma das palavras entre as mais ouvidas ultimamente. Num tempo marcado pela indiferença, a experiência da gratuidade e do
amor a Deus conduz à dimensão do cuidado, repetindo a atitude do próprio
Cristo.
Portanto, à luz da fé, somos convidados a ressignificar, reinventar,
e, mesmo que o sofrimento seja grande, ainda que confrontados com situações
limites, é possível encontrar o significado para cada experiência, não que o
sofrimento seja necessário, mas apesar dele. "E em cada situação a pessoa é
chamada a assumir outra atitude. Em dado momento, sua situação concreta exige
dela que ela aja, ou seja, que ela procure configurar ativamente o seu
destino".[3] Por
isso, pensar a existência humana a partir do um referencial da fé cristã
possibilita suportar com menos ansiedade as contrariedades da vida.
O desafio que nos cabe, nesses tempos conturbados, é
sermos presença que faça a diferença, atentos às interpelações do Espírito que
continua chamando cada pessoa a descobrir a novidade de Deus numa "experiência mística" que conduz ao mais
profundo dessa mesma realidade, deixando-se impactar pelos acontecimentos e, no
discernimento, assumir decisões mais ousadas e criativas se colocando numa atitude responsável diante de si e dos
outros, e, principalmente diante do Outro, e assim consiga captar a presença do
Mistério, dimensão capaz de plenificar a
vida de sentido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BINGEMER, Maria Clara. O Mistério e o Mundo. Paixão por Deus em tempos de descrença. Rio
de Janeiro: Rocco, 2013
FRANKL, Victor E. Em Busca de Sentido. Tradução de Walter O. Schlupp e Carlos C.
Aveline. 43ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
Irmã Maria de Lourdes Altera, mnsg