"RETIRE AS SANDALIAS"
"Retire as sandálias, pois o lugar em que estais é santo", Êxodo 3,5. Parafraseando um pouco esta experiência de
Deus feita por Moisés, quero partilhar com você internauta, a experiência forte
que vivencio na região amazônica, precisamente em São Francisco do Guaporé, RO.
Sinto-me impelida a falar sobre o gesto
de retirar as sandálias muito forte aqui, parte da cultura rondoniense.
Ousei fazer uma leitura teológica desse gesto, inspirado em Moisés, onde ele é
convidado a retirar as sandálias para estar diante do sagrado. Em 2015 quando cheguei aqui neste chão
missionário, deparei-me com uma realidade que só compreendi mais tarde, retirar
as sandálias para entrar.
Aqui as pessoas tiram as sandálias para entrar nas casas, um costume
cultural. Acredito que tirar as sandálias tenha uma dimensão também espiritual,
escatológica, de respeito ao espaço sagrado, à privacidade do outro. Para
entrar é preciso despojar não simplesmente das sandálias físicas, mas de tudo
que impede de ver o ser humano em sua totalidade. No sudeste brasileiro não tem
este ritual, porém aqui no norte sim, é muito comum, faz parte da cultura. É
sinal de respeito para com o espaço sagrado do outro. Só os mais íntimos entram
em nossa casa, em nosso espaço sagrado.
Vivenciado este pequeno grande gesto aprendi nesta cultura que o espaço
do outro é sagrado, é um espaço de pertença, de valores, sobretudo da família
onde se visita, entrar no universo existencial do outro exige muito respeito.
Numa cultura relativista, encontrar valores é algo muito relevante, o ser
humano é pautado pelos valores evangélicos, antropológicos, sociais, culturais,
existenciais. Aqui isso é visivelmente forte, evidente num sinal por vezes
automático, mas que traz uma mensagem profunda.
Retirar sandálias é mais do que simplesmente tirar um calçado dos pés, é
despojar dos conceitos e preconceitos, é tirar todo orgulho, prepotência, é revestir-se
da humildade, ir com coração aberto, como uma missionária que serve, que
caminha "com", nem à frente nem atrás, mas ao lado, junto, com as pessoas,
considerando a história pessoal de cada um. Hoje com dois anos de missão aqui,
digo que estou tentando tirar minhas sandálias, deixar o Cristo agir em mim, em
minhas ações e atitudes. Quero assim como Cristo "tirar as sandálias" para
entrar na casa de Marta e Maria, (Lc 10, 38-42), de Zaqueu, (Lc 19, 1-10),
tirar ideias pré-fabricadas em relação ao outro. Jesus em sua missão nunca se
interessou pelo julgamento dos outros, pelo contrário, se declarou como o Caminho,
a Verdade e a Vida (Jo 14,6) disse ainda Eu vim para que todos tenham vida,
vida plena (Jo 10,10). Neste chão missionário sou convidada a retirar as
sandálias, o tempo todo, para que eu valorize o ser humano em sua essência, sua
grandiosidade, veja além das aparência, veja com os olhos de Deus, ame com o
coração de Deus, acolha com as mãos de Deus, enfim, seja um instrumento como
disse Madre Tereza, "sou um lápis de Deus, mas é Ele quem escreve".
Hoje entendo que aqui retirar as sandálias para entrar é respeitar, se
despojar, é acolher, amar o outro como filho e filha amada de Deus, e as
sandálias são proteção para os pés, num relacionamento não pode haver proteção
é preciso haver acolhida dos dois lado, ao entrar num "recinto sagrado do
outro" eu vou com tudo que sou, levo-me em todo lugar, e ao entrar acolho o
outro com tudo que é, em sua inteireza. Meu desejo como missionária graciana é ser com os irmãos, ser aquilo que Deus
sonhou para todo ser humano, imagem e semelhança do Criador. E este espaço missionário
tem sido para mim um verdadeiro kairós,
onde experimento Deus como fonte maior de encantamento existencial, onde
sinto-me realizada nas pequenas grandes coisas que faço ainda que seja retirar
as sandálias para ser sinal do amor misericordioso de Deus. Peço a intercessão
de São Francisco, ele que foi extremamente despojado de si mesmo por causa do
Reino de Deus.
Irmã Luciana Márcia da Silva, mnsg
lumnsg@gmail.com
São Francisco do Guaporé -RO
Irmã Luciana Márcia da Silva, mnsg